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coleções taxonômicas

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coleções taxonômicas

Coleções taxonômicas são conjuntos de espécimes* de seres vivos (ou produtos resultantes de suas atividades, como ninhos, pegadas etc), devidamente documentados e preservados de forma adequada ao estudo. Na botânica e na zoologia, os espécimes do acervo* são sempre indivíduos mortos ou partes deles; nas coleções microbiológicas, o acervo pode conter células vivas, normalmente inativadas por processos como a liofilização, congelamento etc.

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As coleções taxonômicas são registros da variação morfológica, genética, geográfica, e temporal dos organismos, constituindo a fonte básica de informação para os trabalhos de sistemática (filogenia e taxonomia) e biogeografia. São os espécimes das coleções taxonômicas, portanto, que o sistemata vai examinar primeiro para o levantamento dos caracteres para seus estudos. Além disto, as coleções dão apoio à pesquisa de outras áreas da biologia e ciências correlatas, oferecendo suporte à identificação dos exemplares empregados nos estudos e depositárias de espécimes testemunhos* de pesquisas taxonômicas e de outros campos da biologia.

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As coleções taxonômicas têm sua origem nos salas e armários de curiosidades renascentistas. Nestas salas, membros da aristocracia ou da poderosa classe mercante que se formava na Europa, na época, guardavam exemplares de plantas e animais provenientes dos vários continentes recém descobertos. Essas coleções tinham como única finalidade, a exibição para visitantes ilustres e eram uma demonstração do poder econômico de seu proprietário, já que a aquisição e conservação do seu acervo consumiam vultosos recursos financeiros. Posteriormente, tais coleções passaram a ser abrigadas em grandes prédios de instituições estatais devotadas ao estudo da "história natural" - os museus de história natural (veja mais, abaixo, sobre eles). 

Tipos de Coleções

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As coleções taxonômicas variam com relação ao seu tamanho, uso, e abrangência taxonômica e geográfica, mas, aqui, consideramos que coleções taxonômicas são fontes de informação para a pesquisa científica. É importante, portanto, distinguir essas coleções de pesquisa de outros tipos de coleções, como as coleções didáticas e mostruários públicos.

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As coleções didáticas reúnem material destinado ao ensino. Devido ao manuseio intensivo por pessoas inexperientes (os alunos), os espécimes das coleções didáticas normalmente têm curta duração e, por isto, em geral, são exemplares de espécies comuns e abundantes e/ou espécimes danificados ou sem informação de procedência e que, por isto, não possuem valor científico. Os mostruários públicos têm finalidade educativa e são montados para exibição em museus e outras instituições que atendem ao público em geral. Nos grandes museus de história natural, por exemplo, os exemplares destinados às exposições, em geral estão montados em dioramas*, em grandes salões abertos ao público. Estes exemplares, normalmente de espécies comuns, não são empregados nos estudos científicos, sendo usados apenas para exposição.

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As coleções de pesquisa são caracterizadas por Martins (1994) nos seguintes tipos:

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Grandes coleções gerais. Abrigam espécimes de uma ampla diversidade de táxons, representando as biotas* de grandes regiões ou de todo o mundo. Em geral, estas coleções encontram-se nos grandes herbários, museus de história natural ou grandes universidades. Alguns exemplos importantes de coleções gerais seriam o Museu de História Natural de Londres, o Museu Nacional de História Natural de Paris, e o Museu Americano de História Natural. No Brasil, poucas coleções poderiam ser consideradas como grandes coleções gerais. Exemplos talvez sejam o Museu de Zoologia da USP e o Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro [ao entrar nos links dos museus, não se limite a visitar as páginas voltadas ao grande público, procure as páginas sobre as suas coleções].

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Coleções regionais. Acervos que representam a biota de uma dada região política ou biogeográfica. Embora possuam acervo limitado quanto à representação geográfica, freqüentemente abrigam importantes séries* de espécies endêmicas*, muitas vezes raras em outras coleções. Normalmente se encontram em universidades, institutos de pesquisa e museus e herbários estaduais de história natural. No Brasil, alguns exemplos de coleções regionais seriam o Museu Paraense Emílio Goeldi, dedicado à biota amazônica, o Centro de Coleções Taxonômicas da UFMG, que mantém um acervo representativo da microbiota, flora e fauna brasileiros (mas, também de outros países), e o Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, dedicado à biota gaúcha.

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Coleções sinópticas ou de referência. Não têm o objetivo de guardar grandes séries representativas de toda a diversidade geográfica das espécies. Sua finalidade é servir de apoio ao trabalho de identificação. Os espécimes são empregados para comparação com outros exemplares que se pretende identificar, normalmente para se confirmar a identificação obtida com o emprego de chaves taxonômicas. Normalmente se encontram em instituições ou laboratórios de pesquisa.

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Coleções taxonômicas podem ser institucionais (públicas ou privadas) ou pertencerem a particulares. As coleções particulares normalmente restringem-se a um ou poucos grupos taxonômicos. Frequentemente essas coleções podem se tornar muito importantes, reunindo, em seu acervo, exemplares de espécies raras ou de áreas pouco representadas nas coleções públicas. Às vezes, elas são doadas ou vendidas a instituições públicas, contribuindo, dessa forma, para o enriquecimento do patrimônio científico dessas instituições.

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Coleções particulares são eticamente inaceitáveis quando mantidas por indivíduos empregados nas coleções institucionais, uma vez que, neste caso, interesses público e particular frequentemente estarão em conflito.

Atualmente, no Brasil, a existência das coleções particulares está virtualmente fora da lei, já que as licenças para coleta de espécimes da fauna e flora nativas só podem ser fornecidas a pesquisadores associados a instituições de pesquisa e/ou ensino superior, reconhecidas pelo governo.

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O Acervo

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As coleções taxonômicas são como bibliotecas nos seus objetivos, funções e organização: devem ser cuidadas de forma a preservar indefinidamente seu acervo; devem ser organizadas de forma a facilitar a localização e utilização de seus espécimes; e devem facilitar o acesso aos seus acervos das pessoas qualificadas a utilizá-los. O conjunto de atividades relacionadas à obtenção, manutenção, identificação e organização dos espécimes no acervo é chamado de curadoria. Essas atividades, dependendo do tamanho e recursos da instituição mantenedora das coleções, são executadas por ou sob a supervisão de curadores.

 

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Obtenção de material. Uma boa coleção deve abrigar boas séries taxonômicas. Séries taxonômicas são representações da diversidade de cada espécie ou população que se acredita existir na natureza. Elas devem, idealmente, representar a variação local, geográfica e temporal de cada espécie.

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Para que uma coleção mantenha seu valor para a pesquisa científica, é necessário que seu acervo seja sempre enriquecido com a adição de novos exemplares ou séries. Existem três formas básicas de fazer isto:

 

  • Expedições de coleta. São viagens programadas a determinados locais ou regiões com a finalidade específica de se coligir material para a coleção. Podem durar de um dia a meses. Normalmente são dirigidas a áreas pouco exploradas previamente.

  • Permuta. É uma prática freqüente entre coleções. Normalmente, envolve a troca de duplicatas ou exemplares de grandes séries. É uma forma relativamente barata de se enriquecer o acervo de uma coleção. Às vezes é conveniente se manter disponível uma coleção paralela de exemplares não tombados (retirados de grandes séries) para permutas.

  • Retenção. É uma prática comum. Mediante aquiescência prévia, um taxonomista retém na coleção de sua instituição parte dos exemplares recebidos para identificação de outras instituições ou pesquisadores.

  • Doações e depósitos de material testemunho. As coleções podem receber doação de material coletado fortuitamente por indivíduos não ligados a ela ou, ainda, de coleções privadas. Mais freqüente, é o depósito de exemplares testemunhos de pesquisas em outras áreas da biologia e ciências correlatas (ecologia, parasitologia, agronomia etc). Especialmente importantes, recentemente, tem sido o material testemunho dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) que, por lei, deve ser depositado em coleções públicas. Este material é especialmente interessante porque frequentemente é coletado em: a) áreas pertencentes a grandes empresas privadas, a que o acesso de pesquisadores é normalmente restrito; b) áreas remotas, de difícil acesso, e, portanto, pouco amostradas; e c) áreas que vão ser destruídas ou fortemente impactadas por grandes empreendimentos econômicos (neste caso, as amostras coletadas nos EIAs representam a última possibilidade de se conhecer a fauna original dessas áreas).

 

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Registro do acervo. A utilidade de uma coleção é proporcional à facilidade com que é possível localizar em seu acervo o material que se deseja estudar. Um fator determinante da facilidade de acesso aos exemplares é a forma com que eles são registrados ao serem incluídos na coleção.

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A atenção com o registro do acervo deve começar ainda no campo, quando os exemplares são obtidos. Todo coletor deve ter um caderno de campo, em que são lançados, no momento das coletas, todos os dados relevantes sobre os organismos (ou lotes de organismos) capturados. São informações importantes: localidade (município, estado, país), local específico (nome da fazenda, reserva, serra, lugarejo – preferencialmente acompanhado de coordenadas geográficas), data de coleta e nome do coletor. Outros dados relevantes são detalhes do habitat e comportamento do organismo que possam facilitar o encontro daquela população por futuros pesquisadores (margem de rio; sob rochas; na serapilheira, em campo rupestre etc.).

Estas informações têm de ser, de alguma forma, associadas aos espécimes, ainda no campo. Exsicatas de plantas ou exemplares de animais de porte médio a grande podem receber etiquetas contendo estas informações ou números de acesso a ela nos cadernos de campo.

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Ao se incluírem os exemplares na coleção, essas informações são transferidas para um livro de tombo. Nele, são atribuídos um número de coleção a cada lote ou exemplar e transcritos os dados de procedência.

O acesso às informações contidas nos livros de tombo e cadernos de campo muitas vezes era facilitado por fichários organizados por espécie, por região geográfica, em casos especiais, por hospedeiro etc. Atualmente, há uma tendência a se substituir os livros de tombo e fichários por bancos de dados computadorizados. Estes bancos de dados, acoplados a sistemas de informação geográfica, potencialmente podem agilizar muito a inclusão e recuperação de dados sobre o acervo de uma coleção. Vários desses sistemas têm sido desenvolvidos mas sua utilização vem sendo implementada apenas lentamente.

 

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Organização. A organização dos exemplares nas coleções obedece a diferentes critérios que variam com o grupo taxonômico e a instituição. Em algumas coleções, tenta-se dispor as espécies e táxons supra-específicos de acordo com suas afinidades filogenéticas. Há dois inconvenientes nesta prática – (1) nosso entendimento das relações filogenéticas muda constantemente (e tem mudado muito rapidamente na atualidade). Além disto, frequentemente, há mais de uma hipótese filogenética sendo advogada por diferentes taxonomistas em um dado momento. Desta forma, para buscar exemplares em várias coleções, o usuário teria que conhecer bem várias destas hipóteses para encontrar o material de que ele necessita; (2) as relações filogenéticas constituem uma estrutura ramificada e não linear, como é o arranjo das prateleiras e gavetas de uma coleção. Assim, as relações filogenéticas nunca podem ser representadas fielmente nos armários de uma sala.

 

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Utilização do material. O acervo das coleções taxonômicas é a ferramenta básica de trabalho para os pesquisadores das instituições que as mantém. O primeiro passo de qualquer trabalho taxonômico é o estudo do acervo da coleção a que o taxonomista está associado. Entretanto, nenhuma coleção tem um acervo suficientemente completo de um táxon para possibilitar que um trabalho taxonômico abrangente seja executado só com base nos exemplares que ela abriga. Por isto, os sistematas estão constantemente consultando os acervos de coleções de instituições diversas, freqüentemente em vários países. Esta consulta pode se dar em visitas programadas previamente com os curadores das coleções a serem estudadas. É comum, também, que exemplares de uma coleção sejam emprestados a pesquisadores de outras instituições, o que é uma prática que beneficia a própria instituição, já que esta recebe de volta o material emprestado organizado e identificado por um especialista do grupo. Em grupos pequenos, em que o material preservado não é muito pesado, nem acondicionado em recipientes frágeis, como frascos de vidro, o material emprestado freqüentemente é enviado e retornado por correio. Esta é uma prática muito comum nas coleções de plantas e insetos, por exemplo. Atualmente, é possível acessar informações básicas sobre o acervo de várias coleções pela internet. Há um grande esforço por parte de um grande número de museus e herbários para informatizar suas coleções, para facilitar esse acesso. A informatização permite, ainda, um melhor controle sobre o acervo das coleções por parte de seus curadores.

 

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Identificação do material. Para que a organização da coleção se mantenha é necessário que o material incorporado ao seu acervo seja identificado. Esta identificação pode ser feita, pelo menos em parte, pelos próprios pesquisadores/curadores da coleção ou por pesquisadores convidados. A identificação de partes do acervo é obtida, também, quando os exemplares são emprestados/disponibilizados para estudo por pesquisadores de outras instituições. Assim, por exemplo, alguém envolvido na revisão das espécies de um gênero que tenha acesso ao material de uma instituição, retribuirá com a identificação confiável do material examinado.

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Preservação dos espécimes. Como foi dito acima, exemplares são depositados em coleções na expectativa que permanecerão disponíveis para estudo indefinidamente para as gerações futuras. Para que este objetivo seja alcançado, é preciso que eles sejam convenientemente preparados e preservados, sendo mantidos em ambiente apropriado e protegido. Os principais agentes deterioradores dos acervos são a luz, o calor e (no caso de coleções preservadas a seco) umidade. A incidência da luz diretamente sobre os espécimes provoca o seu descoramento progressivo, devido à destruição de pigmentos. O calor e a umidade, por sua vez, aceleram as reações químicas envolvidas na deterioração dos espécimes. Além desta ação direta, calor e umidade favorecem a proliferação de organismos daninhos, principalmente fungos e insetos.

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Por tudo isto, os exemplares de uma coleção devem ser mantidos em ambiente protegido da luz (preferencialmente sem janelas), onde temperatura e umidade possam ser controladas (através de equipamentos como condicionadores e desumidificadores de ar). É responsabilidade dos curadores e daqueles que trabalham sob sua supervisão vistoriar constantemente o acervo em busca de sinais de ataque por organismos daninhos. Sempre que esses sinais forem encontrados, os exemplares sob ataque devem ser isolados e tratados.

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Graças aos bons cuidados recebidos, exemplares coletados e/ou examinados por grandes cientistas do passado como Charles Darwin (há cerca de 150 anos) e Lineu (há mais de 250 anos) continuam disponíveis para estudo e, provavelmente, continuarão a sê-lo por séculos no futuro.

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Vocabulário

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  • Acervo: conjunto de exemplares de uma coleção.

  • Biota: totalidade dos organismos vivos de uma determinada região.

  • Diorama: modelo ou maquete com representação realista de uma cena para exposição. Nas exposições de história natural, em geral, os dioramas contém animais empalhados em poses naturais, inseridos em representações artísticas de seu habitat natural (veja exemplos, aqui).

  • Endêmico: táxon que tem sua ocorrência limitada a uma região específica (por exemplo, endêmico da Amazônia; endêmico da bacia do Rio Doce).

  • Espécie: 1- nível ou categoria mais elementar na hierarquia classificatória; 2- conjunto de indivíduos conectados por relações genealógicas

  • Espécime: exemplar ou indivíduo representativo de uma classe de objetos ou de um táxon. Não confundir com espécie!

  • Espécime testemunho: exemplar empregado em um estudo científico e que é guardado para que se possa verificar, a qualquer tempo, a identificação da espécie utilizada e mencionada em publicação decorrente desse estudo. Espécimes testemunho garantem, desta forma, que se possa checar os exemplares estudados por outros autores previamente, mantendo a acuidade e atualidade das associações entre os táxons e o conhecimento produzido sobre eles.

  • Série: nas coleções taxonômicas, o conjunto de exemplares de uma dada espécie.

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Bibliografia

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  • Martins, U. 1994. A coleção taxonômica. In: Papavero, N. (org.): Fundamentos Práticos de Taxonomia Zoológica. 2 ed. São Paulo, UNESP. P. 19-43.

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