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caracteres taxonômicos

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Caracteres taxonômicos na sistemática filogenética

O QUE SÃO CARACTERES?

A fonte básica de informações para a elucidação da filogenia e/ou construção de uma classificação para um táxon são atributos* dos próprios organismos em estudo, e os atributos empregados na sistemática são chamados de caracteres.

Segundo Wiley & Lieberman (2011), um caráter seria  uma propriedade (atributo, parte) de um organismo que é  'quase-independente' de outras propriedades desse mesmo organismo. 

Uma propriedade quase-independente seria aquela capaz de evoluir sem que outras propriedades quase-independentes se modifiquem. Assim, não esperamos que a evolução da cor dos olhos causem qualquer mudança evolutiva no comprimento dos dedos, por exemplo. Embora muitos autores refiram-se aos caracteres como atributos independentes, temos que nos lembrar que todos eles estão associados por processos genéticos* e ontogenéticos*.

Um determinado caráter pode se comportar de duas formas diferentes, com relação à forma com que ele se apresenta em diferentes organismos. Em função disto, eles podem ser chamados de (Sereno, 2007):

1) Caráter neomórfico - é aquele que está presente em alguns táxons e ausente em outros. Neste caso, ele pode ser um atributo novo, que não é homólogo a nenhum caráter em uma espécie ancestral, ou ele pode ser um caráter presente originalmente no grupo estudado, mas que desapareceu sem deixar vestígios em parte dos táxons que compõem esse grupo. Caracteres neomórficos equivalem ao que frequentemente é chamado na literatura de novidades evolutivas (Sereno, 2007). Caracteres neomórficos têm, sempre, apenas dois estados: presente e ausente.

2) Caráter transformacional - é aquele que se apresenta em formas diferentes em diferentes táxons. As várias formas com que um mesmo caráter aparece nos diversos organismos são homólogas, sendo derivadas da transformação de uma forma plesiomórfica presente em uma espécie ancestral. 

Para maior clareza nas discussões que se seguem, é preciso, ainda, distinguir dois termos - caráter e estado de caráter. Estes termos têm sido empregados de forma inconsistente na literatura, o que pode causar confusão. Aqui, consideraremos que o caráter é um atributo em todas as formas que ele pode assumir entre os organismos estudados. Por outro lado, um estado de um caráter é uma das formas mutuamente exclusivas que um caráter pode assumir:

figura 1 - caracteres e estados de caracteres

A margem apical (inferior) dos labros de duas espécies de abelhas do gênero Exomalopsis, mostrados ao lado, apresentam duas formas alternativas, uma derivada da transformação da outra. Este seria, portanto, um caráter transformacional, com dois estados: Forma da margem apical do labro: 1) truncada; 2) pontiaguda.

Por outro lado, a faixa longitudinal mediana elevada do labro (indicada por uma seta) pode ser interpretada como um caráter neomórfico, também com dois estados: Faixa longitudinal mediana elevada do labro: 1) presente; 2) ausente.

(Silveira & Almeida, 2008).

LEVANTAMENTO OU ANÁLISE DE CARACTERES

O primeiro passo de um trabalho de sistemática é o levantamento ou análise de caracteres. Esta etapa envolve três processos distintos, mas que são realizados de forma mais ou menos concatenada: a) fatoração dos organismos estudados, b) estabelecimento de hipóteses de homologia primária e c) codificação e listagem dos caracteres.

A fatoração é divisão do organismo nos atributos quase-independentes que o compõem. Na realidade, a identificação desses atributos é uma aproximação, eles são hipóteses de caracteres, já que não temos condições de definir, exatamente, cada atributo quase-independente de um organismo. Para isto, seria necessário conhecermos a forma como cada caráter é determinado geneticamente. É interessante notar, ainda, que os organismos têm um rol quase infinito de caracteres (morfológicos, moleculares, comportamentais, fisiológicos etc) e é impossível, na prática, listar todos os seus caracteres.

Ao se fazer a fatoração de um organismo, cabe a pergunta: que atributos podem ser empregados como caracteres taxonômicos?

Os caracteres têm que ser, antes de tudo, perceptíveis e clara e objetivamente descritíveis, já que os resultados das atividades do sistemata são compartilhados com outras pessoas (através de artigos científicos e outras publicações) e essas pessoas deverão ser capazes de reconhecer corretamente os caracteres delimitados por ele. Nas análises filogenéticas, interessa aos leitores avaliarem as hipóteses de homologia primária (discutidas no tema 'Homologia', aqui) estabelecidas pelo autor para, dessa forma, avaliarem a qualidade das hipóteses filogenéticas obtidas. Nos trabalhos de taxonomia, o leitor precisa entender bem o que são os caracteres e seus estados para que ele possa compreender as diferenças entre os táxons estudados.

Os caracteres têm que ser, também, hereditários, ou seja transmissíveis de ancestrais para descendentes, pelos mecanismos genéticos. Neste aspecto, o sistemata tem que se esforçar, então, para distinguir entre os atributos que ele observará em cada organismo em sua amostra, aqueles definidos pelos genes, daqueles ocasionados por fatores ambientais. Assim, por exemplo, o tamanho de um exemplar tanto pode representar a expressão de genes, quanto a quantidade e qualidade da alimentação que o exemplar recebeu ao longo do seu desenvolvimento (em geral, vai representar uma mistura das duas coisas).

Atributos que atendem aos dois pré-requisitos acima podem ser morfológicos, moleculares, fisiológicos ou comportamentais. Os caracteres comportamentais podem ser tanto os comportamentos em si, quanto o produto deles (Fig. 2).

figura 2 - caracteres comportamentais

Entradas de ninhos de cinco espécies diferentes de abelhas do gênero Partamona. Cada uma delas tem detalhes arquitetônicos característicos de sua espécie. Como resultados de comportamentos (de construção de ninho) fixados geneticamente nas espécies, os atributos dessas entradas podem ser empregados como caracteres taxonômicos ou filogenéticos (extraído de Camargo & Pedro, 2003).

Alguns tipos de atributos inadequados para os estudos sistemáticos seriam:

a) Características muito variáveis segundo as condições ambientais, tais como atributos físicos que variem com a temperatura, luminosidade ou umidade do ambiente em que o organismo se desenvolve e/ou vive.

b) Características correlacionadas ou redundantes. Estes atributos violam a condição de semi-independência, necessária para que possam ser considerados caracteres taxonômicos, já que a evolução de um deles necessariamente provoca mudanças nos outros. Por exemplo, a intensidade da cor da pele e a densidade de melanina na pele. Neste caso, a quantidade de melanina é que define, em grande parte, a cor da pele. 

Outro aspecto que precisa ser considerado nesta fase do trabalho, como observado por Hennig (1965, 1966), é que os caracteres são buscados e identificados em semaforontes. Um semaforonte é um indivíduo de um determinado sexo ou casta, em um certo período do seu desenvolvimento. Cada semaforonte de uma espécie possui atributos próprios, não encontráveis em outros semaforontes da mesma espécie e informações sobre as relações de uma dada espécie em níveis específicos da hierarquia filogenética, eventualmente, podem ser encontradas em um semaforonte mas não em outros. Assim, devem-se examinar o maior número possível de semaforontes, durante o levantamento de caracteres. É preciso estar atento, ainda, para não se compararem características obtidas em semaforontes não equivalentes em espécies diferentes (Figs. 3 e 4);

figura 3 - semaforontes em insetos sociais

O fluxograma ao lado mostra o ciclo de vida de uma espécie de cupim. Note quantos semaforontes distintos podem ocorrer em uma única espécie: ovos, ninfas de diferentes estádios, e ninfas e adultos de diferentes castas. Veja, por exemplo a diferença entre as mandíbulas do soldado e as do operário e reprodutivos. Num trabalho taxonômico, por exemplo, não faria sentido comparar a mandíbula de um operário de uma espécie, com a mandíbula do soldado de outra espécie.

http://animals.howstuffworks.com/insects/termite2.htm

figura 4 - Semaforontes em aves

As aves ao lado pertencem à mesma espécie, porém, pertencem a sexos e fases de desenvolvimento distintos. Note que a comparação entre semaforontes diferentes poderia facilmente levar o taxonomista a concluir que cada um desses indivíduos pertencesse a uma espécie distinta.

 http://wdfw.wa.gov/living/robins.html

A definição dos caracteres e seus estados passa pela proposição de hipóteses de homologia primária, como vimos anteriormente. Isto exige a comparação de atributos em diferentes espécies em busca de características que pudessem ser consideradas 'equivalentes'. Esta equivalência é óbvia, quando comparamos organismos próximos: intuitivamente, reconhecemos, por exemplo, que as pernas dianteiras ou as orelhas são estruturas equivalentes em todos os mamíferos, mas esta equivalência pode não ser tão óbvia, quando se comparam táxons mais distantes, por exemplo, como um gato e um golfinho. Como vimos ao discutirmos o tema 'Homologia', a busca por atributos 'equivalentes' que pudessem ser comparados em trabalhos taxonômicos e o próprio termo 'homologia' antecedem a proposição das ideias sobre evolução por Darwin. Sendo assim, não é de se espantar que princípios ou critérios para estabelecer esta equivalência entre caracteres fossem definidos fora do contexto evolutivo. O botânico Saint-Hilaire, por exemplo, propôs dois princípios para a determinação da equivalência entre atributos de diferentes organismos. São eles:

1) Princípio das conexões. A determinação da homologia deve basear-se na posição, nas relações e na dependência entre as partes. Um órgão pode ser deteriorado, atrofiado, mas não transposto; e

2) Principio da composição. Estruturas homólogas são compostas do mesmo tipo de elementos.

Mais recentemente, Remane refraseou e expandiu esses princípios, estabelecendo seus critérios de homologia, empregados até hoje como ferramentas para a proposição de hipóteses de homologia primária:

1) Critério de similaridade na posição relativa (equivalente ao princípio das conexões, de Saint-Hilaire) (Fig. 5).

figura 5 - Critério de similaridade na posição relativa

 

Na ilustração ao lado, vemos que a homologia dos vários ossos dos membros anteriores de crocodilos e camundongos pode ser proposta com base na semelhança de suas posições relativas.

2) Critério de similaridade em detalhes estruturais (equivalente ao princípio da composição, de Saint-Hilaire). Aqui, podemos nos remeter, também, à Figura 5, acima. As pernas dianteiras dos crocodilos e camundongos podem ser consideradas homólogas porque são compostas pelos mesmos elementos, organizados de uma mesma forma.

3) Critérios da presença de formas intermediárias (na filogenia e/ou na ontogenia). Neste caso, nós podemos propor a homologia entre duas estruturas relativamente diferentes, em organismos distantes, quando encontramos formas intermediárias entre elas no registro fóssil ou ao longo do desenvolvimento embrionários de uma ou das duas espécies que estão sendo comparadas (Fig. 6).

figura 6 - critério da presença de formas intermediárias

Na ilustração ao lado, temos, de baixo para cima: peixe sarcopterígeo, ‘anfíbio primitivo’, ‘réptil’ sinapsida e mamífero.

A homologia entre os ossículos do ouvido médio de mamíferos e os ossos da mandíbula de peixes sarcopterígeos pode ser proposta devido à existência de fósseis com formas intermediárias desses ossos e que demonstram como eles podem ter mudado de uma forma para a outra.

http://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/similarity_hs_10

Vocabulário

  • Atributo: característica ou propriedade de alguma coisa ou alguém.

  • Genético: definido pelos genes.

  • Ontogenético: relativo às transformações sofridas pelos organismos, entre o zigoto e o final do seu desenvolvimento.

Bibliografia

 

Hennig, W.. 1965. Phylogenetic systematics. Annual Review of Entomology 10: 97-116.

Sereno, P. C. 2007. Logical basis for morphological characters in phylogenetics. Cladistics 23: 565–587.

Wiley, E. O. & Lieberman, B. S. 2011. Phylogenetics – Theory and Practic of Phylogenetic Systematics. Hoboken, John
    Wiley & sons.

Este tema continua em:
"o método de hennig"
ver
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