TAXONOMIA EVOLUTIVA (GRADISTA)
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ESCOLAS CONTEMPORÂNEAS DA SISTEMÁTICA:
A TAXONOMIA EVOLUTIVA OU GRADISTA
Como vimos anteriormente, Darwin, em seu livro 'A Origem das Espécies...', discutiu claramente as consequências de suas ideias sobre a evolução para a classificação biológica. Todavia, nas várias décadas seguintes, sua discussão sobre o assunto teve pouco impacto sobre a sistemática, de tal forma que, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o trabalho de classificar continuou a ser executado exatamente como nos tempos pré-darwinianos: Os taxonomistas faziam agrupamentos arbitrários das espécies, baseados na avaliação subjetiva da semelhança de um número mais ou menos limitado de caracteres e, no máximo, depois de pronta a classificação, sugeriam um cenário evolutivo, em que, por exemplo, um gênero tivesse dado origem a outro e assim por diante. Um exemplo é mostrado na figura abaixo:
"Posição sistemática do gênero Exomalopsis,
entre os gêneros próximos de abelhas", segundo Friese (1899).
Nenhum método específico foi empregado pelo autor para propor as relações apresentadas na figura; ela foi construída com base na avaliação subjetiva das semelhanças entre os táxons e em nas ideias subjetivas do autor sobre como determinadas formas podiam mudar para outras.
Note que, na figura, alguns gêneros se originam de outros, o que tornaria parafiléticos
os gêneros Exomalopsis, Ptilothrix e Tetrapedia e o grupo de gêneros Eucera-Melissodes (hoje, considerado como a tribo Eucerini). Veja também o texto sobre árvores filogenéticas.
Entre as décadas de 1920 e 1940, os estudos sobre a evolução sofreram grande impulso com o rápido desenvolvimento da genética, após a redescoberta dos trabalhos de Gregor Mendel. Neste período, os efeitos da seleção natural*, da deriva genética*, da migração*, e de outros fatores sobre as frequências gênicas das populações começaram a ser estudados, originando um novo campo de estudos, a genética de populações. É interessante notar que a genética de populações se preocupa apenas com um dos processos evolutivos, a anagênese, e é por isto que, dentro desta disciplina, a evolução é frequentemente definida como "alteração de frequências gênicas de uma população ou espécie, ao longo das gerações". Esta definição ignora o outro processo evolutivo, a cladogênese. A associação dos conhecimentos da genética de populações com os de várias outras áreas de estudo (como a ecologia, a paleontologia e a sistemática) deu origem ao que se denomina Neodarwinismo ou Nova Síntese – um novo programa de estudos sobre a evolução. Foi de dentro da Nova Síntese que se originou a primeira das três escolas contemporâneas da sistemática, a escola da "Taxonomia Evolutiva" ou, como foi apelidada mais tarde, escola "Gradista".
Os taxonomistas evolutivos foram os primeiros a considerar claramente a evolução na construção das classificações biológicas. Para isto, eles tomaram como base a discussão apresentada por Darwin sobre o assunto, no seu 'A Origem das Espécies'. O princípio básico desta escola, então, é que as classificações devem refletir a evolução. Na realidade, Mayr (1969) – um dos mais importantes taxonomistas evolutivos – considerava que os responsáveis pela maioria das classificações dos vários grupos de animais e plantas produzidas no período entre Lineu e o início do século XX, tinham sido bem-sucedidos em delimitar grupos naturais, ainda que o tenham feito apenas intuitivamente (Darwin sugerira o mesmo em seu livro); para Mayr, caberia à taxonomia evolutiva apenas dar a justificativa teórica aos grandes grupos já delimitados pelos taxonomistas que os antecederam.
Os taxonomistas evolutivos consideraram as opiniões de Darwin como regras importantes para a prática da classificação. Mayr (1969) chama atenção, por exemplo, para a sugestão de Darwin de que a separação dos táxons deveria se basear na ramificação (proximidade filogenética), mas que o nível hierárquico desses táxons deveria considerar os diferentes graus de modificação pela qual eles tivessem passado. Outra observação de Darwin levada em consideração pelos taxonomistas evolutivos, é que se deveriam buscar caracteres taxonomicamente importantes para neles se basearem as classificações (Mayr, 1969). Esses pontos são importantes para se entender alguns aspectos das classificações evolutivas discutidos adiante.
A primeira das regras acima sugere que tanto a cladogênese quanto a anâgenese devem ser consideradas para a delimitação dos táxons de uma classificação - e este tornou-se um princípio fundamental para a Taxonomia Evolutiva. Segundo Darwin, espécies originadas de um mesmo ancestral deveriam estar, de alguma forma, juntas na classificação (por exemplo, em uma ordem), mas subgrupos deste táxon que tivessem sofrido diferentes graus de diferenciação (anagênese) deveriam ocupar níveis hierárquicos diferentes dentro daquele grupo (famílias ou subfamílias, por exemplo). É interessante notar que, neste aspecto, Darwin entra em contradição com sua própria afirmação de que "boas classificações seriam aquelas que mais se assemelhassem à genealogia das espécies", na medida em que considerar o grau de diferenciação na classificação biológica equivaleria, na genealogia de uma família, a que um indivíduo pudesse ser considerado num nível hierárquico diferente dos seus irmãos (como primo, por exemplo), se ele fosse muito diferente deles. O resultado da aplicação deste princípio é que as classificações evolutivas são compostas tanto por táxons monofiléticos, quanto por táxons parafiléticos (veja como a consideração da cladogênese e/ou anagênese leva à delimitação de grupos mono ou parafiléticos, aqui).
Na realidade, as classificações evolutivas eram construídas com a delimitação de grados (daí o apelido "gradista" desta escola). Grados seriam táxons que reuniriam organismos em um mesmo estágio (ou grau) de evolução. Exemplos clássicos desses grados, são encontrados nas classificações dos seres vivos em reinos e dos vertebrados em classes. Abaixo, apresentamos, novamente, as representações gráficas dessas classificações, para melhor explicarmos o conceito:
Classificações em grados: (A) Os cinco reinos dos seres vivos; (B) As classes de vertebrados. Cada um dos reinos em (A) e cada uma das classes em (B) reuniria organismos em um mesmo 'estágio ou grau' evolutivo.
Note que os reinos Monera e Prostista (em A) e as classes Pisces, Amphibia e Reptilia (em B) são grupos parafiléticos, já que a espécie ancestral comum imediata de seus membros, é também ancestral dos demais táxons 'acima' deles.
Embora concebidas na tentativa de representar a evolução, como entendida por Darwin, essas classificações são misturas da escala evolutiva de Lamarck e a 'árvore da vida' de Darwin..
Na classificação dos organismos em reinos (A, na figura acima), o reino Monera reuniria os organismos no "estágio ou grau evolutivo" (grado) caracterizado pelo corpo composto por uma única célula procariota; o reino Protista reuniria os organismos num grado também caracterizado pela unicelularidade, mas em que as células são eucariotas; o reino Plantae seria o grado em que os organismos são pluricelulares, eucariontes, fotossintetizantes e com células protegidas por paredes celulares de celulose; o reino Fungi seria o grado que reuniria organismos eucariontes, heterotróficos, uni ou pluricelulares, com células revestidas com paredes celulares de quitina; e o reino Animalia reuniria organismos eucariontes, multicelulares, heterotróficos, sem paredes celulares. Os reinos Monera e Protista são parafiléticos, e os reinos Plantae e Animalia são monofiléticos, enquanto a natureza do reino Fungi ainda é motivo de debate (monofilético ou polifilético?). Note que a própria ideia de se organizar os organismos segundo seus "graus de evolução" tem muito mais a ver com a linearidade da escala evolutiva de Lamarck, do que com as ramificações da árvore da vida de Darwin...
Além de tentar representar, ao mesmo tempo, a cladogênese e a anagênese em suas classificações, o taxonomista evolutivo considerava que a melhor forma de se representar a evolução numa classificação, seria baseá-la em caracteres evolutivamente relevantes. Estes caracteres são chamados novidades evolutivas, e confeririam alguma vantagem aos organismos que as possuem. Por exemplo, asas, penas, ossos pneumáticos* e homeotermia* seriam caracteres evolutivamente relevantes que teriam possibilitado às aves se tornarem o grupo abundante e diversificado que elas são hoje. Trabalhando segundo este princípio, o sistemata faria uma avaliação prévia das características dos organismos, selecionando aquelas que lhe parecessem mais relevantes do ponto de vista evolutivo, e basearia-se principalmente nelas, tanto para construir suas classificações, quanto para propor cenários evolutivos para os organismos em estudo. Um problema é que esses caracteres nem sempre são óbvios e o seu grau de importância depende da avaliação subjetiva do taxonomista. Além disto, depois desta seleção arbitrária de caracteres, não havia um método explícito, objetivo e replicável para a elucidação das relações filogenéticas entre os organismos. Os vários grupos e suas relações eram basicamente os que o taxonomista achava que eram reais e o método poderia facilmente se tornar circular, com o sistemata buscando caracteres que justificassem os grupos que ele considerou subjetivamente, como sendo reais e não o contrário...
Esta subjetividade gerou muitas críticas à Taxonomia Evolutiva, já que a época ao longo do qual esta escola se desenvolveu, coincidiu com um período de consolidação de um paradigma de ciência que enfatiza o rigor das observações, a objetividade e a experimentação, de acordo com uma definição específica de 'método científico'. Neste contexto, ficou óbvia a falta de métodos explícitos e de replicabilidade no processo de construção das hipóteses sobre a evolução dos organismos, hipóteses essas que justificavam as classificações dos taxonomistas evolutivos. Isto contribuiu para que aumentasse ainda mais o descrédito experimentado pela sistemática, que era considerada como um empreendimento não científico.
Vocabulário
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Deriva genética: processo resultante da ação de fatores aleatórios sobre as frequências gênicas de uma população. Pode se dever ao efeito fundador, ao efeito gargalo ou a variação demográfica da espécie. Seu efeito é mais forte em populações pequenas (veja mais sobre o assunto, aqui).
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Homeotermia: capacidade de manter a temperatura corporal em temperaturas relativamente constantes (= endotermia).
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Migração: deslocamento de indivíduos no espaço geográfico. Em biologia evolutiva, diz respeito à movimentação de indivíduos entre populações diferentes de uma mesma espécie ou para uma região geográfica não ocupada previamente pela espécie (colonização).
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Ossos pneumáticos: nas aves, ossos com cavidades interiores ligadas a um sistema de sacos aéreos e que, por isto contribuiriam para diminuir a massa corporal desses animais, facilitando o voo.
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Replicabilidade: capacidade de um procedimento experimental de ser replicado (repetido).
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Seleção natural: processo evolutivo pelo qual indivíduos portadores de características genéticas que os tornassem pouco adaptados ao meio teriam um menor sucesso reprodutivo, deixando menos descendentes e menos cópias dos seus genes nas gerações seguintes. A consequência disto seria a eliminação dessas características da população.
Bibliografia
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Friese, H. 1899. Monographie der Bienengattugen Exomalopsis,Ptilothrix, Melitoma und Tetrapedia. Annalen des k.k. Naturhistorischen Hofmuseums 14: 247–304.
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Mayr, E. 1696. Principles of Systematic Zoology. Nova Delhi, Tata McGraw-Hill.