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cladogênese, anagênese e classificação

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cladogênese, anagênese e classificação

Dissemos, em outras páginas deste site, que classificações que procuram representar, ao mesmo tempo, os dois processos evolutivos - anagênese e cladogênese - acabam por incluir tanto táxons parafiléticos, quanto táxons monofiléticos, enquanto classificações que consideram apenas eventos de cladogênese incluem apenas táxons monofiléticos. Aqui, vamos tentar demonstrar o porquê disto.

A representação da anagênese normalmente é justificada pelo fato de que uma espécie ancestral, tendo sofrido um processo acentuado de diferenciação, torna-se muito diferente das espécies proximamente relacionadas a ela, dando origem a uma linhagem também muito diferenciada das linhagens próximas. Estas linhagens diferenciadas seriam consideradas como novos grados. Este processo intenso de anagênese, sob a perspectiva da Taxonomia Evolutiva ou Gradista, era considerado um evento evolutivo importante que deveria ser enfatizado na classificação, retirando esta linhagem diferenciada de dentro do grupo que a contém e considerando-a um táxon no mesmo nível do táxon do qual ela foi retirada. Na realidade, este procedimento deriva de ideias expostas por Darwin, em seu "A Origem das Espécies'. Para exemplificar, vamos avaliar a classificação tradicional das classes da superclasse Tetrapoda, considerando as suas relações filogenéticas:

Filogenia e classificação tradicional da superclasse Tetrapoda

Os nomes à frente dos ramos do cladograma são os nomes das principais linhagens viventes de tetrápodos. As elipses azuis delimitam as classes consideradas na classificação tradicional, construída segundo os princípios da Taxonomia Evolutiva. Nesta classificação, três classes (Amphibia, Mammalia e Aves) coincidem com linhagens monofiléticas (a monofilia de Amphibia depende de como a classe é definida, mas é considerada duvidosa, mesmo quando nela são incluídos apenas os anfíbios modernos, como neste exemplo). Contudo, a classe Reptilia é parafilética, já que sua espécie ancestral (indicada pela seta vermelha) é também ancestral das aves, que foram excluídas de Reptília e consideradas como uma classe à parte.

Na figura acima, o cladograma representa as relações filogenéticas entre as principais linhagens viventes da superclasse Tetrapoda. Na classificação tradicional (cujas classes são representadas pelas elipses azuis), a classe Reptilia, para ser monofilética, deveria incluir também as aves, além de Lepidosauria*, Chelonia* e Crocodylia*. Contudo, as aves foram retiradas de dentro de Reptilia e consideradas, sozinhas, em sua própria classe, Aves. Isto foi feito para enfatizar o intenso processo de anagênese que teria ocorrido na espécie ancestral imediata das aves (quando elas teriam, por exemplo, adquirido as penas, as asas, os ossos pneumáticos e o esterno em forma de quilha; quando teriam perdido os dentes e tido as vértebras caudais fundidas em uma única estrutura óssea). Hoje, com a melhoria de nossos conhecimentos sobre os grupos extintos mais proximamente relacionados às aves, sabemos que este processo de anagênese não ocorreu desta forma. (Veja mais, aqui, sobre a evolução das aves e as consequências da subamostragem das linhagens evolutivas para nosso entendimento da evolução e para a classificação). A representação completa da classificação gradista tradicional dos tetrápodes seria a seguinte:

 

Superclasse Tetrapoda

  • Classe Amphibia

  • Classe Mammalia

  • Classe Reptilia

  • Classe Aves

 

Embora esta classificação possa fazer sentido à primeira vista, o problema de se incluírem táxons parafiléticos (como Reptilia) nas classificações é que, desta forma, elas nos dão uma ideia errônea sobre as relações entre os vários subgrupos que elas incluem. Note que a classificação tradicional nos sugere, por exemplo, que crocodilos e seus parentes sejam mais proximamente relacionados a Lepidosauria e Chelonia (já que estão, todos, incluídos em Reptilia), do que às aves. No entanto, filogeneticamente, eles estão mais próximos das Aves, com quem compartilham um ancestral mais recente do que o ancestral comum imediato entre eles e as demais classes de Reptilia.

Classificações alternativas de Tetrapoda representando apenas a cladogênese foram propostas, considerando a mesma hipótese filogenética mostrada acima. Veja a figura abaixo:

Filogenia e classificação alternativa da superclasse Tetrapoda

Ao lado, temos uma classificação alternativa da superclasse Tetrapoda, representando apenas eventos de cladogênese. Os nomes à frente dos ramos do cladograma são os nomes dados às principais linhagens viventes de tetrápodos (as mesmas apresentadas na figura anterior). As elipses coloridas delimitam clados originários de eventos sucessivos de cladogênese. Táxons associados a esses clados têm seus nomes indicados nas cores correspondentes, junto às suas espécies ancestrais imediatas. Maiores detalhes abaixo.

Filogenia

Filogenia recuperada com base na classificação exemplificada acima, em que apenas grupos monofiléticos são incluídos, mas na qual nem todos os eventos de cladogênese estão representados. Os primeiros dois eventos de cladogênese correspondem às duas primeiras divisões da classificação - Amphibia x Amniota e Mammalia x Sauropsida. Contudo, os eventos de cladogênese dentro da subclasse Sauropsida não foram representados e as relações entre suas infraclasses não podem ser inferidas com precisão, o que é representado no cladograma ao lado por uma politomia*.

Haveria alguma vantagem em se empregar classificações como esta, então, que incluem apenas táxons monofiléticos mas que não representam fielmente a filogenia entre os seus táxons?

Note que as relações entre as infraclasses de Sauropsida não estão claras no último exemplo de classifcação, mas a politomia, na hipótese derivada daquela classificação, deixa isto óbvio, não induzindo o seu usuário a erro na avaliação dessas relações. Na classificação construída segundo os princípios da Taxonomia Evolutiva, que considera a classe parafilética Reptilia (primeiro exemplo, acima), além de se omitir a informação sobre as relações entre as classes de Tetrapoda, ainda se sugere uma informação errônea - a de que os crocodilianos são mais proximamente relacionados às tartarugas, cobras e lagartos do que às aves. É bom lembrar, então, que uma das funções das classificações é a de sintetizar, resumir nosso conhecimento, e é isto que a classificação do último exemplo faz, sem contudo nos induzir a erros na avaliação das relações entre os organismos. Se tivermos interesse nas relações detalhadas entre todos os organismos, em todos os níveis da 'árvore da vida', então, não devemos procurar a classificação, mas a hipótese filogenética mais robusta existente para o nosso grupo de interesse.

Vocabulário

  • Chelonia: táxon que reúne as tartarugas, cágados e jabutis.

  • Crocodylia: táxon que reúne os crocodilos, jacarés, caimões e o gavial.

  • Esterno: osso longitudinal frontal da caixa torácica a que várias das costelas encontram-se unidas.

  • Lepidosauria: táxon que reúne as serpentes e os lagartos.

  • Politomia: divisão, em um cladograma, de uma espécie ancestral em três ou mais espécies descendentes, em um único evento de cladogênese. Em geral, considera-se que uma politomia reflita informação insuficiente para a elucidação acurada das relações entre os táxons envolvidos, embora, em tese, admita-se que elas eventualmente possam representar um evento múltiplo de especiação.

  • Tetrápodo: literalmente, portador de quatro pernas. Refere-se ao grupo de vertebrados (tradicionalmente considerado como a superclasse Tetrapoda do subfilo Vertebrata, na classificação dos animais) que possuem quatro membros. Note que alguns organismos deste grupo, como as serpentes, perderam um ou mais pares de membros, secundariamente, ao longo da evolução.

  • Vivente: táxon que é representado por espécies atuais, não extintas (um táxon vivente pode, também, possuir grupos extintos, por exemplo, a classe Aves é uma táxon vivente porque possui espécies atuais, mas também possui espécies extintas, como o dodo).

A figura acima mostra a mesma hipótese apresentada anteriormente para as relações filogenéticas entre as principais linhagens viventes de Tetrapoda. Duas classificações alternativas representando apenas a cladogênese e, portanto, incluindo apenas táxons monofiléticos têm sido defendidas, com base nesta filogenia. A primeira destas classificações representa todos os eventos de cladogênese e não se preocupa com a hierarquia lineana padronizada. Ela é a seguinte:

Tetrapoda

          Amphibia

          Amniota

                  Mammalia

                  Sauropsida

                           Chelonia

                           Diapsida

                                   Lepidosauria

                                   Archosauria

                                               Crocodylia

                                               Aves

Note que cada evento de cladogênese é representado, na classificação acima, por um par de táxons correspondentes às linhagens originadas nesses eventos (linhagens originadas em um mesmo evento possuem a mesma coloração, semelhante à das elipses correspondentes na figura acima). Os diferentes recuos nas linhas representam as relações de subordinação hierárquica (ou taxonômica) entre os táxons (táxons originados de um mesmo evento de cladogênese tem o mesmo nível hierárquico e a mesma distância da margem). Assim, Amphibia e Amniota derivam de um evento de cladogênese em que uma espécie ancestral se dividiu. Como se originaram juntas (linhagens irmãs), elas têm o mesmo nível taxonômico. Na classificação acima, as várias linhagens que compõem os anfíbios não estão representadas e, por isto, não há táxons subordinados a Amphibia (o mesmo vale para Mammalia, Chelonia, e Lepidosauria). Por outro lado, as duas linhagens principais em que se dividem os Amniota são representadas pelos táxons Mammalia e Sauropsida, subordinados a Amniota, mas no mesmo nível hierárquico.

Uma classificação como esta, que represente todos os eventos de cladogênese, terá um número enorme de níveis hierárquicos, se ela se prolongar até o nível de espécie, e esta é a razão pela qual não se empregam nelas os níveis taxonômicos lineanos padronizados (superclasse, classe, subclasse, infraclasse, superordem, ordem, etc - até espécie). A vantagem de uma classificação como esta é que ela reproduz fielmente a hipótese filogenética em que ela se baseia. Por outro lado, essas classificações têm tantos táxons (portanto, tantos nomes) que elas se tornam muito complexas e de difícil memorização (lembre-se: classificações deveriam sintetizar nosso conhecimento sobre os organismos!). Por isto, frequentemente, empregam-se classificações que representam os clados originados dos principais eventos de cladogênese, mas que omitem vários outros destes eventos. Estas classificações são coerentes com as relações filogenéticas, mas não as representam detalhadamente. Um exemplo de uma classificação assim, e que emprega os níveis padronizados da hierarquia lineana para a mesma hipótese filogenética acima, é apresentada abaixo:

Superclasse Tetrapoda

   Classe Amphibia

   Classe Amniota

      Subclasse Mammalia

      Subclasse Sauropsida

         Infraclasse Chelonia

         Infraclasse Lepidosauria

         Infraclasse Crocodylia

         Infraclasse Aves

Note que os dois primeiros eventos de cladogênese estão representados na classificação acima - o primeiro, dando origem às classes Amphibia e Amniota e o segundo dando origem às subclasses Mammalia e Sauropsida. Contudo, os eventos de cladogênese que ocorreram dentro de Sauropsida não são representados e os quatro ramos terminais deste clado representam, cada um, uma infraclasse, apesar desses terminais terem sido produzidos em três eventos de cladogênese consecutivos (o primeiro dando origem a Chelonia e Diapsida; o segundo dando origem aos dois ramos principais de Diapsida - Lepidosauria e Archosauria; e o terceiro dividindo Archosauria em Crocodylia e Aves). Esta classificação, portanto, não representa fielmente a filogenia e uma tentativa de recuperar as relações entre os seus táxons produziria a seguinte hipótese de relações:

anagênese e classificação
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