Evolução das aves, subamostragem de linhagens evolutivas, evolução e classificação
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Evolução das aves, subamostragem de linhagens evolutivas, evolução e classificação
Ao discutirmos os efeitos de se representar a anagênese nas classificações, dissemos que as aves, para enfatizar um processo acentuado de diferenciação que teria ocorrido na sua espécie ancestral imediata, foram colocadas em uma classe à parte (classe Aves), separadas dos demais répteis (classe Reptilia). Segundo o conhecimento da época, durante este processo de anagênese, várias características únicas e notáveis teriam se originado nesta primeira espécie de ave e teriam tornado o grupo formado por suas espécies descendentes tão distinto quanto ele nos parece ser. Hoje, com um conhecimento muito melhor do registro fóssil, sabemos que este processo de anagênese não ocorreu tal qual imaginado originalmente: muitos dos atributos que fazem as aves nos parecerem tão diferentes dos demais vertebrados surgiram, na realidade, em uma série sucessiva de espécies ancestrais compartilhadas com outras linhagens de dinossauros terópodes*. Em outras palavras, estas estruturas seriam plesiomorfias e não sinapomorfias de aves. Vejamos alguns exemplos dessas características:
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Endotermia: É a capacidade de certos animais (chamados endotérmicos) de produzirem calor, a partir de reações metabólicas. Originalmente, acreditava-se que, entre os Sauropsida*, a endotermia era uma característica exclusiva de aves e que dinossauros seriam ectotérmicos*, como os lagartos atuais. Uma série de evidências indiretas obtidas da análise de fósseis, sugerem que várias linhagens de dinossauros eram endotérmicas e que as aves teriam herdado esta característica de ancestrais não "avianos*" (Veja mais sobre isto aqui e aqui).
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Ossos pneumáticos: São ossos que contém espaços internos que, dependendo do grupo animal, são preenchidos por sacos aéreos (ver abaixo). Nos textos de biologia, os ossos pneumáticos das aves são frequentemente apresentados como adaptações para o voo, por tornarem as aves 'mais leves'. Contudo, há evidências de que linhagens distintas de dinossauros possuíam ossos pneumáticos (inclusive contendo sacos aéreos) e que as aves teriam herdado essas estruturas de ancestrais remotos. As vantagens conferidas por ossos pneumáticos a grandes dinossauros não voadores seriam, por exemplo, redução do peso do esqueleto, sem prejuízo da resistência dos ossos; aumento da agilidade dos animais; e melhoria do seu equilíbrio. [veja mais sobre isto aqui (em inglês)]
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Penas: As penas são uma outra característica tradicionalmente considerada como adaptação ao voo e que teria se originado no ancestral imediato das aves. Em 1861, descobriu-se a primeira criatura fóssil alada e dotada de penas e que apresentava características intermediárias entre as das aves e "répteis". Esta criatura, chamada Archaeopteryx lithographica, viveu há cerca de 150 milhões de anos, no final do jurássico, e possuía asas e corpo coberto com penas, como as aves, mas não possuía bico córneo, e possuía dentes, esterno achatado, e cauda longa constituída por várias vértebras, como outros "répteis". Devido a esta mistura de caracteres, Archaeopteryx foi considerado um "elo evolutivo" direto entre dinossauros e aves (veja ilustração abaixo). Sua posição filogenética, contudo, ainda não está bem estabelecida e ele tem sido considerado por diferentes autores, tanto como um ramo basal de aves, quanto como um ramo próximo a aves - isto depende, em parte, de como se queira definir aves (mais informações sobre Archaeopteryx aqui). Recentemente, na década de 1990, descobriram-se os primeiros fósseis de dinossauros não alados claramente dotados de penas. Hoje, mais de 40 espécies de dinossauros com penas são conhecidas, inclusive representantes do gênero Velociraptor, que se tornou famoso devido à série de filmes "Parque dos Dinossauros" (Jurassic Park). Desta forma, as penas são mais uma característica que, entre os animais viventes, são encontradas apenas em aves, mas que se originaram muito antes que a primeira ave surgisse no planeta.
Archaeopteryx
Reconstrução artística de um Archaeopteryx lithographica perseguindo uma presa.
Os maiores exemplares conhecidos do gênero têm cerca de 50 cm de comprimento.
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Pigóstilo: É uma estrutura óssea composta pela fusão de várias vértebras onde se inserem os músculos e as penas da cauda das aves. O pigóstilo era considerado uma das sinapomorfias de aves e acreditava-se que teria evoluído por conferir maior controle de voo a elas. Contudo, fósseis de vários grupos não alados de dinossauros terópodes apresentam o pigóstilo associado a penas, que possivelmente era empregado em displays* durante interações sociais.
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Sacos aéreos: São estruturas preenchidas com ar, dentro do corpo dos animais. Os sacos aéreos são derivados dos pulmões ou outras cavidades como a cavidade nasal, por exemplo. Eles podem estar "livres" entre as vísceras do animal ou contidos em cavidades dentro de ossos (os ossos pneumáticos - ver acima). Os sacos aéreos estão relacionados à respiração, regulação da temperatura corporal, além de contribuírem para a diminuição da densidade corporal do animal. As aves são os únicos animais viventes que possuem sacos aéreos na região do corpo posterior à cabeça. Por isto, essas estruturas foram consideradas, por muito tempo, como uma das sinapomorfias desse grupo e sua evolução era parcialmente associada à facilitação do voo das aves. O estudo do registro fóssil nas últimas décadas, contudo, tem revelado evidências de que um grande número de linhagens de dinossauros (dentro e fora de Theropoda) possuíam sacos aéreos e que eles não seriam, portanto, uma característica exclusiva de aves.
Dessa breve discussão sobre a evolução das aves, podemos extrair algumas lições interessantes. A primeira delas diz respeito à forma como associamos as características que observamos nos animais viventes às funções que elas desempenham. Várias das características discutidas acima foram interpretadas no passado como parte de um "projeto" (criacionista ou evolutivo) que possibilitasse às aves voar - penas, asas, sacos aéreos, ossos pneumáticos e pigóstilo teriam sido cuidadosamente desenhados para que as asas alçassem voo. Na realidade, o que vemos é que as aves herdaram uma série de características que surgiram aleatoriamente e foram selecionadas para funções diversas em espécies ancestrais remotas, mas que permitiram que as aves pudessem desenvolver a habilidade de voo ao longo de sua evolução.
A segunda lição diz respeito aos efeitos do nosso desconhecimento do registro fóssil sobre o nosso entendimento da evolução dos grupos viventes e sobre as suas classificações. A principal razão para se distinguir as aves dos demais répteis, reunindo-as em uma classe separada de Reptilia em nossa classificação tradicional, vem da 'necessidade' de ressaltar sua distinção das demais linhagens de Sauropsida ("as aves são tão diferentes!"). Note, então, que se todas as linhagens de dinossauros terópodos tivessem deixado representantes viventes, as aves não seriam assim tão diferentes, já que existiriam outros grupos endotérmicos, com sacos aéreos, ossos pneumáticos, cobertos de penas etc etc. A singularidade das aves, então, é muito mais um artefato de nossa ignorância prévia sobre os grupos fósseis, do que um fato real devido a características únicas das aves. As aves seriam apenas uma pequena amostra de um grupo muito mais diversificado! Neste aspecto, é preciso ressaltar que este problema não se restringe às aves, mas a muitos dos grupos viventes. As extinções atuam, então, como "peneiras" que diminuem a diversidade das várias linhagens evolutivas e que aumentam a distinção entre as linhagens sobreviventes (já que grupos intermediários desapareceriam).
Desta forma, algumas consequências esperadas da melhoria do nosso conhecimento sobre o registro fóssil para nossas classificações, no futuro próximo, seriam: a) 'desconstrução' de táxons tradicionalmente aceitos em nossas classificações, que demonstrar-se-iam parafiléticos ou polifiléticos; e b) maior dificuldade de delimitação de táxons facilmente distinguíveis uns dos outros (devido à inclusão, nas classificações, de grupos fósseis intermediários).
Vocabulário
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Aviano: palavra derivada (neologismo) do inglês que indica os táxons pertencentes à classe Aves. Em oposição, utiliza-se "não aviano" para se referir a táxons (geralmente de dinossauros terópodes) que não pertençam às aves.
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Display: No contexto comportamental é utilizado para se referir a exibições apresentadas por animais durante interações intra e interespecíficas. Por exemplo, abertura da cauda, em leque ou "danças" para atração de fêmeas; exibição de dentes para afugentar predadores etc.
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Ectotérmico: animal que depende de fontes externas de calor para manutenção sua temperatura corporal.
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Sauropsida: táxon que reúne os animais comumente chamados de répteis e as aves.
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Terópodes: Dinossauros bípedes pertencentes ao táxon Theropoda. O nome, que significa "pés anormais", é uma referência ao fato de apenas três dedos desses animais tocarem o solo quande eles estão em pé ou caminhando, ficando um quarto dedo suspenso. As pernas anteriores dos terópodos, em geral, eram relativamente curtos e tinham movimentos limitados. Fazem parte deste grupo, dinossauros bem conhecidos, como os Tyrannosaurus e Velociraptor.