sistemática filogenética
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ESCOLAS CONTEMPORÂNEAS DA
SISTEMÁTICA:
A sistemática filogenética ou cladística
Como vimos anteriormente, uma das principais motivações da Sistemática Filogenética, assim como da Taxonomia Numérica, foi conferir maior objetividade para a Sistemática. Contudo, a abordagem adotada pelos proponentes e defensores da Sistemática Filogenética foi diametralmente oposta àquela adotada pela Taxonomia Numérica ou Fenética: Já vimos que, mesmo quando a Fenética dominava o cenário da sistemática mundial, nas décadas de 1970 e 1980, as críticas ao seu princípio fundamental de desvincular a classificação biológica da evolução dos organismos nunca cessaram. Willi Hennig, o criador da Sistemática Filogenética, estava entre aqueles críticos, tendo afirmado que uma classificação que não refletisse a evolução não poderia ser útil a uma biologia que se desenvolvia dentro do contexto da teoria da evolução. A diferença entre Hennig e os demais críticos da Fenética é que ele conseguiu desenvolver um método objetivo para a reconstrução das relações filogenéticas entre os organismos. Ele pôde fazer isto, porque foi capaz de perceber diferenças importantes na natureza dos caracteres (veja mais sobre a natureza dos caracteres aqui), e perceber que apenas alguns deles nos dão informação sobre o compartilhamento de ancestrais pelas espécies.
A Sistemática Filogenética se desenvolveu a partir dos seguintes princípios básicos:
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As classificações devem refletir a evolução dos organismos. Embora, como enunciado geral, este princípio seja o mesmo adotado pela escola da Taxonomia Evolutiva (ou Gradista), veremos que os cladistas* entendem este “refletir a evolução” de uma forma bem diferente.
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Deve-se utilizar o maior número possível de caracteres e, em princípio, todos estes caracteres devem ser considerados igualmente importantes. Neste aspecto, a cladística se aproxima da fenética. Segundo os sistematas filogenéticos ou cladistas, os caracteres não devem ser escolhidos a priori por sua suposta importância evolutiva, como faziam os gradistas*. A razão disto está no fato de que, para a cladística, a função de um caráter no estudo filogenético não reside na sua importância adaptativa para os organismos, mas na sua capacidade de nos informar sobre as relações entre os organismos - os caracteres, então, são avaliados como evidências do compartilhamento de ancestrais (veremos isto com mais detalhe, abaixo).
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As classificações devem refletir apenas a cladogênese (e não cladogênese e anagênese, como faziam os taxonomistas evolutivos). Hennig argumentou que, se tentássemos representar ao mesmo tempo a cladogênese e a anagênese em nossas classificações, estas não representariam com precisão nem um, nem o outro dos dois processos evolutivos (e nem, portanto, a evolução como um todo). Ele chamou atenção para o fato de que, como as classificações biológicas são hierárquicas, elas só serão capazes de refletir fielmente processos que produzam hierarquia o que, entre os dois processos evolutivos básicos, apenas a cladogênese é capaz de gerar - a hierarquia filogenética (já discutimos isto, aqui). Nesta hierarquia, nós temos grupos de espécies que compartilham um ancestral comum muito próximo reunidos em grupos mais amplos, que compartilham espécies ancestrais um pouco mais distantes e assim por diante, até um grande grupo que inclui todos os seres vivos, os quais compartilham um ancestral comum muito distante - o primeiro ser vivo na Terra. O que Hennig sugeriu, então, é que esta hierarquia filogenética poderia ser fielmente representada pela hierarquia taxonômica (a classificação): grupos de espécies que compartilham ancestrais muito próximos são reunidos em gêneros; grupos de gêneros derivados de ancestrais um pouco mais distantes são reunidos em famílias; e assim por diante, até os reinos, que reúnem espécies que compartilham uma espécie ancestral muito distante (não há uma categoria, em nossa classificação, que reúna todos os seres vivos). A relação entre a hierarquia filogenética e a hierarquia taxonômica é representada no cladograma da Fig. 1, abaixo:
FIGURA 1.
Correspondência entre a hierarquia taxonômica (representada, na figura de cima, por um diagrama de Ven) e a hierarquia filogenética (representada, na figura de baixo, por um cladograma).
Quanto à classificação, podemos imaginar que as elipses menos inclusivas (desenhadas com linha mais fina) sejam gêneros; as elipses intermediárias (desenhadas com linha de espessura intermediária) sejam famílias; e a elipse mais inclusive (desenhada com linha mais grossa) represente uma ordem. As espécies, nas duas figuras, estão representadas pelas letras de 'A' a 'E'.
Note que os que ocupam níveis hierárquicos menos inclusivos na classificação, correspondem aos grupos de espécies que compartilham ancestrais mais próximos na filogenia; que os que ocupam níveis intermediários correspondem a grupos que compartilham ancestrais relativamente mais distantes e que o nível mais inclusivo da classificação reúne todas as espécies terminais do cladograma, que compartilham o ancestral mais longínquo, aquele que se encontra na base do cladograma.
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As classificações devem incluir apenas táxons monofiléticos. Este princípio é uma consequência do princípio anterior (ou seja, apenas a cladogênese deve ser representada nas classificações). De fato, quando tentamos representar eventos relevantes de anagênese na classificação, excluímos de um táxon, grupos cujas espécies ancestrais sofreram grandes modificações evolutivas (anagênese) e os separamos em outro táxon de mesmo nível hierárquico. Um exemplo disto, é a exclusão das aves da classe Reptilia, por elas serem muito diferentes dos demais répteis, para incluí-las numa classe à parte, a classe Aves. A consequência disto é que Reptilia se torna parafilética (reunindo uma espécie ancestral - a primeira espécie de réptil - e parte, apenas parte, de suas espécies descendentes). É neste aspecto que as classificações filogenéticas refletem a evolução de forma diferente das classificações evolutivas ou gradistas: enquanto as classificações filogenéticas representam apenas a cladogênese e, por isto, incluem apenas táxons monofiléticos, as classificações evolutivas representam, também, a anagênese e, assim, incluem tanto táxons monofiléticos, quanto táxons parafiléticos. David Hull (1964) demonstrou que grupos parafiléticos tornam as classificações inconsistentes com a filogenia, levando-nos a conclusões errôneas sobre as relações entre os organismos classificados (veja mais sobre isto aqui).
Contudo, considerando os princípios acima, é preciso resolver o problema levantado pelos taxonomistas numéricos com relação à representação da evolução nas classificações. Como é que se pode reconstruir, de forma objetiva, as relações filogenéticas entre espécies e grupos de espécies, para com base nestas relações se propor uma classificação?
Vamos começar nos perguntando: de onde partimos e onde pretendemos chegar, quando nos propomos a reconstruir as relações entre as espécies de um táxon? O esquema na Fig. 2 ilustra este processo:
FIGURA 2.
Os pontos inicial e final do processo de reconstrução das relações filogenéticas entre as espécies hipotéticas A, B, C, D e E
Quando dizemos que vamos reconstruir as relações entre as espécies de um determinado táxon, queremos dizer que vamos elaborar uma hipótese, o mais robusta possível, com base em algum tipo de evidência objetiva, que explique as relações filogenéticas entre esses organismos. O nosso conhecimento inicial resume-se em saber quantas e quais são as espécies que vamos estudar (grupo de estudo), e as evidências que teremos para construir esta hipótese são os caracteres desses organismos (morfológicos, comportamentais, fisiológicos ou moleculares). Este estado inicial do nosso conhecimento é representado pelo cladograma à esquerda na Figura 2, acima. Nesse cladograma, todas as espécies se originam em uma única politomia* (que representa a nossa ignorância sobre as relações entre aquelas espécies). Este cladograma será chamado carinhosamente, daqui em diante, de "vassoura filogenética"...
O outro cladograma (à direita da Figura 2) representa o nosso objetivo: uma hipótese sobre as relações entre as espécies estudadas. Note que a principal diferença entre os dois cladogramas é a presença dos ancestrais intermediários, que estão ausentes na vassoura filogenética. No cladograma final, com a hipótese filogenética, os ancestrais intermediários são aquelas espécies situadas entre a primeira espécie do grupo de estudo (ancestral de todas as suas demais espécies e indicada pela letra a) e as espécies terminais (A, B, C, D e E). Uma vez que a presença dessas espécies ancestrais é reconhecida, as relações filogenéticas podem ser definidas. Assim, as espécies A e B são espécies irmãs* por compartilharem uma espécie ancestral imediata exclusiva (d); C é a espécie irmã do grupo d-A-B, com quem compartilha a espécie ancestral b; D e E também são espécies irmãs, compartilhando a espécie ancestral imediata exclusiva, c; e, finalmente, os grupos b-C-d-A-B e c-D-E são irmãos, compartilhando a espécie ancestral a.
Podemos dizer, então, que, sob esta perspectiva, o processo de reconstrução da filogenia das espécies de um grupo é o processo de descoberta das espécies ancestrais intermediárias deste grupo. Mas como podemos fazer isto? Que evidências nos indicam a existência de uma determinada espécie ancestral de um determinado conjunto de espécies?
Vamos tomar os mamíferos (classe Mammalia) como exemplo. Como podemos saber que todos eles têm uma espécie ancestral comum, exclusiva do grupo (que não seja ancestral, também, de nenhuma outra espécie, em outro grupo taxonômico)?
Vejamos: A classe Mammalia é definida por um conjunto de caracteres (glândulas mamárias, pelos, diafragma etc, etc). Sobre estas características, podemos dizer: 1) elas são características apomórficas, já que não existem em nenhum outro grupo de vertebrados ou invertebrados; e 2) elas são características sinapomórficas, já que ocorrem em todos os mamíferos.
Mas onde se originam as características sinapomórficas? Sinapomorfias se originam na primeira espécie de um clado; naquela que deu origem a todas as demais espécies do grupo. Portanto, as sinapomorfias de um clado indicam que todas as suas espécies compartilham um ancestral comum exclusivo (exclusivo, porque essas características não ocorrem em outros táxons, o que indica, também, que o grupo contém todas as espécies descendentes daquela espécie ancestral) (se os conceitos de plesio, apo e sinapomorfia não estiverem claros para você, é conveniente que você reveja as informações sobre a natureza dos caracteres, aqui).
Voltando ao nosso propósito original (descobrir espécies ancestrais intermediárias entre a primeira espécie do grupo e as espécies terminais), podemos dizer que, para reconstruir as relações filogenéticas entre grupos de espécies, basta-nos encontrar sinapomorfias de subgrupos de espécies, dentro do grupo original - cada sinapomorfia de um subgrupo de espécies, é uma evidência de que essas espécies compartilham uma espécies ancestral exclusiva, da qual elas herdaram essa característica. Considere, de novo, por exemplo, o cladograma à direita, na figura acima: para termos evidência da existência da espécie ancestral d, é preciso que encontremos pelo menos uma apomorfia compartilhada pelas espécies terminais A e B; para encontrarmos evidência da existência da espécie ancestral b, é preciso que encontremos pelo menos uma sinapomorfia para as espécies A, B e C. A construção da hipótese para as relações filogenéticas, então, se faz pela soma das evidências da existência de cada um desses ancestrais.
O método de análise filogenética tradicional seguia os seguintes passos:
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Levantamento exaustivo de caracteres. Como dissemos acima, na sistemática filogenética, os caracteres são empregados como evidências do compartilhamento de espécies ancestrais (independente da importância ecológica e evolutiva de cada caráter). Assim, quanto mais caracteres empregarmos, mais evidências teremos e mais robusta será nossa hipótese filogenética.
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Construção de uma matriz de caracteres. A matriz de caracteres não fazia parte do protocolo original de análise filogenética proposto por Hennig, mas passou a ser empregada quando a análise filogenética começou a ser desenvolvida com auxílio de computadores. A matriz, no geral, é construída da mesma forma que para a Taxonomia Numérica (mas veja exemplo, no link abaixo).
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Polarização dos caracteres. Como as evidências da existência de um determinado ancestral, em uma filogenia, são apomorfias compartilhadas entre as espécies com que estamos trabalhando (sinapomorfias), para cada característica em particular (por exemplo, cor dos pelos), precisamos determinar qual, entre as formas presentes em nosso grupo de estudo (por exemplo, pelos brancos ou marrons) é a forma plesiomórfica (que existia, antes da origem do grupo de estudo e qual (ou quais) é (ou são) a(s) forma(s) apomórfica(s). Hennig baseava-se numa série de critérios para estabelecer esta polarização. Por exemplo, o estado do caráter que aparece nos fósseis mais antigos de um grupo seria o estado plesiomórfico para este grupo. Este e os demais critérios empregados por Hennig, contudo, estavam sujeitos a uma série de problemas (por exemplo, o fóssil mais antigo conhecido para um grupo poderia representar uma espécie relativamente recente no grupo - ou seja, a história fóssil do grupo seria mal conhecida - e que já possuísse uma forma apomórfica do caráter em questão). Por isto, posteriormente, passou-se a empregar o método da comparação com um ou mais grupos externos* (veja exemplo e considerações sobre esta polarização prévia dos caracteres, no link abaixo).
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Levantamento das informações (evidências) apresentadas pelos vários caracteres e sua consolidação em uma hipótese para a filogenia do grupo (argumentação de Hennig). Cada apomorfia compartilhada por um grupo de espécies é uma evidência da existência de uma espécie ancestral compartilhada com exclusividade por aquelas espécies (ancestral exclusivo). A soma das evidências fornecidas por todos os caracteres nos sugerirá uma ou mais hipóteses para a filogenia do grupo de estudo. Um exemplo da aplicação deste método é apresentado aqui.
Hipóteses filogenéticas alternativas
e o critério da parcimônia
Para um dado número de espécies terminais, há um determinado número de hipóteses filogenéticas possíveis. Considerando apenas as hipóteses completamente resolvidas (aquelas em que todos os eventos de cladogênese resultam em duas espécies descendentes - ou seja, uma árvore completamente dicotômica*), temos que: para explicar as relações entre duas espécies terminais, existe uma única hipótese possível; para explicar as relações entre três espécies terminais, há três hipóteses alternativas; e, para explicar as relações entre quatro espécies terminais, há 15 hipóteses alternativas (Figura 3). A progressão do número de hipóteses é de tal ordem que, para explicar as relações filogenéticas entre apenas 10 espécies terminais, já temos mais de 34 milhões de hipóteses possíveis!
FIGURA 3.
À esquerda: as três hipóteses possíveis para explicar as relações filogenéticas entre três táxons terminais (considerando apenas as hipóteses completa-mente resolvidas - árvores dicotômicas).
À direita: as quinze hipóteses possíveis para explicar as relações filogenéticas entre quatro táxons terminais (considerando apenas as hipóteses completamente resolvidas - árvores dicotômicas
No exemplo dos periniossáurios, o resultado de nossa análise foi uma única árvore. Temos que pensar, contudo, que ela é apenas uma das 10.395 hipóteses possíveis para explicar as relações entre aquelas sete espécies! Por que chegamos àquela hipótese e nos satisfizemos com ela? Por que decidimos, por exemplo, que seriam os caracteres 03, 04 e 05 as homoplasias e não outros caracteres quaisquer? (Ou, em outras palavras, porque não construímos uma hipótese em que um ou mais desses caracteres fossem considerados homólogos?) Na Figura 4, contrastamos a hipótese que encontramos em nosso exemplo, com outra das milhares de hipóteses possíveis:
FIGURA 4.
Duas das 10.395 hipóteses dicotômicas para a filogenia das espécies de periniossáurios. A árvore da esquerda foi aquela encontrada nas análises realizadas no exemplo desenvolvido aqui. A árvore da direita é uma hipótese alternativa escolhida arbitrariamente entre as outras hipóteses possíveis.
Na Figura 4, há apenas uma diferença entre as hipóteses filogenéticas representadas pelos dois cladogramas: no cladograma da esquerda, o clado 'DG' é irmão do clado 'CE', enquanto na hipótese da direita 'DG' é irmão de 'B'. Note que a evolução dos caracteres é diferente nas duas hipóteses e que o caráter 2-1, que é uma sinapomorfia para 'DGCE' na primeira hipótese, passa ser uma homoplasia de 'DG' e 'CE' na segunda. Quando desenvolvemos o exemplo acima, chegamos à hipótese da direita, mas por que preferiríamos esta hipótese, em detrimento daquela da esquerda?
A escolha de uma hipótese filogenética 'preferida' entre hipóteses alternativas pode ser feita segundo diversos critérios. Um desses critérios (o mais empregado na análise de caracteres morfológicos) é o critério da parcimônia*. Segundo este critério, devemos escolher a hipótese que apresentar o menor número de homoplasias.
A justificativa para empregarmos o critério da parcimônia é a seguinte: as sinapomorfias são transferidas de uma espécie para suas espécies descendentes por um processo natural conhecido (a herança genética). Por outro lado, não há um processo natural que produza homoplasias; elas são frutos do acaso, sua ocorrência depende de que duas características semelhantes surjam de forma independente, por coincidência, em duas ou mais linhagens ou clados distintos. Obviamente, isto não significa que suponhamos que homoplasias não ocorram ou sejam raras; sabemos que elas ocorrem e são relativamente frequentes. Mas se compararmos sinapomorfias a números produzidos por uma equação definida e homoplasias a números produzidos por sorteio, quando duas espécies distintas apresentarem uma característica semelhante em decorrência de homoplasia, seria como se elas tivessem ganho aquela semelhança num sorteio. Se expandirmos o exemplo para uma hipótese filogenética de um clado inteiros, temos que cada homoplasia na árvore seria resultado de um 'sorteio' diferente. Sabemos que coincidências existem, mas quanto mais coincidências forem necessárias para explicar as semelhanças entre as espécies de um clado e justificar uma hipótese para as relações entre essas espécies, menos confiaremos nesta hipótese. Daí, concluirmos que entre duas hipóteses alternativas, aquela com menos homoplasias será a nossa preferida (assim como entre duas justificativas alternativas para a fortuna de um indivíduo, tenderemos a confiar mais naquela que incluir menos prêmios ganhos na loteria).
É preciso entender, contudo, que o princípio da parcimônia não garante que vamos escolher, sempre, a melhor hipótese, já que não podemos esperar que evolução vá, sempre, percorrer o caminho mais parcimonioso. O que podemos esperar, se, numa série de análises filogenéticas baseadas em diferentes matrizes de dados, sempre adotarmos o princípio da parcimônia em nossas decisões?
1) Que acertaremos (escolheremos a melhor hipótese) mais vezes, se escolhermos sempre a opção mais parcimoniosa; e
2) Que, quando escolhermos uma hipótese que não seja a filogenia verdadeira, estaremos optando por uma hipótese semelhante a ela, já que não esperamos que evolução se desvie muito da solução mais parcimoniosa.
Considerando o texto acima e o exemplo da filogenia dos periniossáurios, vemos que Hennig foi capaz de propor um método objetivo para reconstruir as relações filogenéticas de um grupo de espécies. Objetivo, no sentido de que ele não se baseia em opiniões subjetivas, nem em decisões arbitrárias sobre a importância dos caracteres ou a forma com que as espécies são agrupadas; o método considera todos os caracteres encontrados e dá a todos eles o mesmo valor, e emprega as informações que os caracteres guardam sobre a evolução do grupo de estudos, com base em processos biológicos conhecidos para agrupar as espécies (relativos à transmissão de caracteres hereditários - genética - e à evolução). Contudo, o fato do método ser objetivo não o torna infalível e a principal fonte de erros na interpretação das evidências sugeridas pelos caracteres são as homoplasias. Quando estruturas semelhantes evoluem independentemente em duas linhagens (por convergência, por exemplo), nós corremos o risco de sermos enganados, tomando a semelhança entre elas como decorrente da homologia - o que, nesse caso, não seria verdade. Esta é mais uma razão pela qual devemos usar o maior número possível de caracteres em nossas análises: cada homoplasia é fruto do acaso e pode contradizer não apenas as homologias mas, também, as outras homoplasias e, por isto, não criam um padrão filogenético definido. Por outro lado, as homologias, por serem congruentes com um determinado padrão (a filogenia), são congruentes entre si, reforçando mutuamente as evidências que elas apresentam. Assim, embora o número de homoplasias aumente com o aumento do número de caracteres empregados, o "ruído" causado por elas seria mais que compensado pelo reforço que o acúmulo de homologias dá à informação sobre as relações filogenéticas.
Sistemática Filogenética na atualidade
O que apresentamos no texto e no exemplo acima é uma descrição dos métodos tradicionais de análise filogenética. A partir do final da década de 1980, com o uso crescente de computadores, várias modificações foram introduzidas neste método. A primeira e mais importante delas é que é que a polarização dos caracteres deixou de ser feita antes da construção das hipóteses de relacionamento (cladogramas) (polarização a priori). Os programas de computador constroem árvores não enraizadas (em que a direção da evolução não é definida), contando quantas mudanças os caracteres sofreriam nos vários ramos e, então, selecionando as árvores mais curtas. Somente depois de selecionar a(s) hipótese(s) mais parcimoniosa(s) é que o grupo externo seria usado para 'enraizar' a(s) árvore(s), definindo, então a direção da evolução e a polaridade dos caracteres. Uma explicação mais detalhada disto pode ser encontrada aqui.
Novos métodos de análises foram desenvolvidos, também, em associação com o emprego de caracteres moleculares, mais especificamente, fragmentos de DNA. A evolução, no nível molecular, se dá através de mutações que podem: a) fazer com que um nucleotídeo (base nitrogenada - adenina, guanina, citosina ou timina) seja substituído por outro; b) inserir um nucleotídeo entre outros dois (inserção); ou c) retirar um nucleotídeo do fragmento de DNA (deleção). Cada posição em um fragmento de DNA seria equivalente a um caráter e cada nucleotídeo que ocupa uma dessas posições, em diferentes organismos, seria um estado desse caráter. Como o número de estados de cada caráter molecular é limitado a um máximo de quatro (adenina, guanina, citosina ou timina) e as taxas de mutações nos diferentes genes, em diferentes linhagens de organismos podem ser estimadas, é possível criar modelos para a evolução molecular e procurar as árvores filogenéticas que se ajustem melhor a esses modelos, em vez de buscar as árvores mais parcimoniosas. Uma vantagem destes métodos é que é possível estimar as probabilidades de erro às árvores e aos seus ramos, o que nos dá uma medida mais objetiva de confiança nas hipóteses encontradas. Esses métodos, contudo, ainda não se prestam bem à análise dos caracteres morfológicos que podem possuir um número, em tese, infinito de estados que sofrem processos evolutivos complexos, sob a influência da ação de vários genes ao mesmo tempo e, também, de processos epigenéticos.
Vocabulário
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Cladista: sistemata que defende e/ou segue os princípios da cladística.
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Cladística: originalmente, cladística e sistemática filogenética eram considerados termos sinônimos. Contudo, mais recentemente, tem havido uma tendência de se reservar o termo cladística (ou cladismo) ao ramo da sistemática filogenética que emprega apenas o princípio da parcimônia em suas análises filogenéticas (neste caso, análises cladísticas). Neste contexto, o termo filogenética ora é empregado para se referir apenas ao ramo da sistemática que emprega métodos baseados em modelos evolutivos (máxima verossimilhança e inferência bayesiana) ou a ambos os ramos em conjunto.
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Dicotômico: que se divide em dois.
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Espécies irmãs (ou grupos irmãos): são as espécies (ou clados) originados em um mesmo evento de cladogênese.
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Gradista: Escola Gradista (o mesmo que Taxonomia Evolutiva) ou o sistemata que defende e/ou segue os princípios desta escola.
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Grupo externo: uma ou mais espécies relacionadas a um grupo cuja filogenia se pretende reconstruir, mas que não se incluem neste grupo. Grupos externos são empregados na polarização de caracteres ou para o enraizamento de árvores filogenéticas.
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Parcimônia: no contexto da sistemática filogenética, é a aplicação do princípio metodológico geral da ciência, segundo o qual deve-se preferir, entre várias explicações alternativas para um observação, aquela que exigir o menor número de pressuposições ou explicações ad hoc (princípio conhecido também como a 'navalha de Ockham'). Neste contexto, as pressuposições seriam as homoplasias.
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Polarização de caracteres: definição de qual é o estado plesiomórfico (ancestral) e o(s) estado(s) apomórfico(s) de um caráter, dentro de um grupo de estudo.
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Politomia: é a divisão de uma espécie ancestral em três ou mais espécies descendentes. Embora, nos cladogramas, as politomias possam representar a origem simultânea de várias espécies, a partir de uma única espécie ancestral, em geral elas são interpretadas como indicativas da nossa ignorância sobre as relações entre elas, normalmente, por falta de evidências que indiquem a existência de ancestrais intermediários entre elas.
Bibliografia
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Hennig, W. 1965. Phylogenetic systematics. Annual Review of Entomology 10:97-116.
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Hennig, W. 1966 Philogenetic Systematics. Urbana, University of Illinois.
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Hull, D. L. 1964. Consistency and monophyly. Systematic Zoology 13(1):1-11.