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Argumentação de Hennig

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Análise filogenética:

A argumentação de Hennig 

Abaixo, vamos apresentar um exemplo simples para ilustrar o emprego da "argumentação de Hennig" para a reconstrução das relações filogenéticas entre as espécies de um clado. Neste exemplo, vamos avaliar as relações filogenéticas entre sete espécies hipotéticas de dinossauros que chamaremos periniossáurios, em homenagem a o prof. Fernando Perini, que os desenhou e cedeu para uso nesta página. Consideraremos que, atualmente, todas essas espécies estão incluídas em um único gênero, Periniosaurus. Os dinossauros são os seguintes:

Como em todo trabalho taxonômico e/ou filogenético, o primeiro passo é o levantamento de caracteres. Aqui, como na Taxonomia Numérica, temos interesse em encontrar e empregar o maior número possível de caracteres em nossa análise: lembre-se, os caracteres são evidências do compartilhamento de ancestrais; quanto mais caracteres, mais evidências e mais robusta e confiável será a hipótese filogenética resultante. Abaixo, temos, então, a lista de caracteres codificados (alguns deles estão ilustrados abaixo):

9) Garra em gancho nas patas posteriores

    0) Ausente;

    1) Presente.

10) Espinhos caudais

    0) Ausentes;

    1) Presentes.

11) Comprimento dos membros anteriores

    0) Longo;

    1) Curto.

12) Comprimento/postura da cauda

    0) Longo/caída

    1) Curto/horizontal.

5) Manchas corporais esféricas

    0) Ausentes;

    1) Presentes.

6) Crista dorsal

    0) Ausente;

    1) Presente.

7) Rugas ventrais

    0) Ausentes;

    1) Presentes.

8) Número de dedos nas patas anteriores

    0) Três;

    1) Dois.

1) Crista posterior da cabeça

    0) Ausente;

    1) Presente.

2) Crista facial

    0) Ausente;

    1) Presente.

3) Dentição maxilar

    0) Interna;

    1) Exposta.

4) Faixas transversais dorsais

    0) Ausentes;

    1) Presentes.

No próximo passo, vamos construir uma matriz de dados, como aquela que construímos no contexto da Taxonomia Numérica. Originalmente, Hennig não usava matrizes de dados, mas seu uso na sistemática filogenética se tornou necessária, quando as análises filogenéticas passaram a ser realizadas com auxílio de computadores.

Matriz de caracteres. Os táxons são as espécies de Periniosaurus ilustradas acima e estão representadas pelas letras A, B, C, D, E, F, e G. Cada coluna apresenta os estados presentes em cada uma das espécies dos caracteres (1-12) listados acima.

Cada célula na matriz acima representa o estado de um caráter presente em uma das espécies do grupo de estudos. Assim, a primeira célula da matriz (marcada em vermelho) indica que a espécie A apresenta o estado 1 do caráter 1(crista posterior da cabeça ausente). Como já dissemos anteriormente, para procedermos à reconstrução da relações entre as espécies, precisamos de evidências para a existência de ancestrais compartilhados por subgrupos de espécies. Como dissemos, essas evidências são os caracteres apomórficos compartilhados pelas espécies. Então, para continuarmos nossa análise filogenética, precisamos saber qual o estado plesiomórfico e qual o estado apomórfico de cada caráter. Tomando como exemplo o caráter 1 (Crista posterior da cabeça), qual seria a forma apomórfica, a ausência ou a presença da crista? Como saber?

Para respondermos esta questão, vamos voltar ao exemplo dos mamíferos: como sabemos que a presença de glândulas mamárias é uma sinapomorfia desses animais? Sabemos disto porque as glândulas mamárias (e os pelos, o diafragma, os três ossículos do ouvido médio etc) são características exclusivas dos mamíferos, não estando presentes em nenhum outro grupo animal. Então, para sabermos se uma característica é uma apomorfia de um determinado táxon, precisamos verificar se ela é exclusiva deste táxon ou se ela ocorre, também, em outros grupos. Precisamos, portanto, estendermos nossa avaliação para um ou mais grupos fora do nosso grupo de estudos. Ao contrário do que ocorre nos procedimentos empregados na Taxonomia Numérica, então, na Sistemática Filogenética, as matrizes de caracteres precisam incluir, também, pelo menos uma espécie de fora do grupo de estudo (chamado de grupo externo). Para seguirmos com nosso exemplo, então, vamos empregar, como grupo externo, a espécie abaixo:

Paraperiniosaurus espécie X

 

Grupo externo empregado na análise filogenética do gênero Periniosaurus.

Consideraremos que os estados de caracteres compartilhados pelo grupo externo e pelo grupo de estudo tenham sido herdados de um ancestral remoto, comum a todos eles, que teria existido antes da origem do grupo de estudo e antes da origem do grupo externo. Portanto, tais caracteres seriam plesiomórficos para o grupo de estudo. Por outro lado, estados de caracteres que ocorrem exclusivamente no grupo de estudo serão interpretados como sendo caracteres surgidos dentro deste grupo - portanto, apomórficos para o grupo de estudo. Essas apomorfias estão marcadas em vermelho na matriz acima (o fato de que todos os caracteres plesiomórficos estejam representados por "zeros", é mera coincidência, não tem que ser sempre assim).

Desta forma, podemos considerar que cada estado de caráter apomórfico compartilhado por duas ou mais espécies seja uma evidência do compartilhamento, por essas espécies, de uma espécie ancestral - uma daquelas espécies ancestrais intermediárias que nós precisamos descobrir para reconstruir as relações filogenéticas de nosso grupo de estudo. Esta é a primeira regra do que se costuma chamar "argumentação de Hennig", a regra de agrupamento: sinapomorfias são evidências de relações de ancestralidade comum, enquanto simplesiomorfias e homoplasias são inúteis como fontes de informação sobre ancestralidade comum. Vamos, então, ver que informações cada um dos caracteres nos dá sobre as relações entre as espécies:

Tendo identificado os acentrais intermediários hipotéticos sugeridos pelos vários caracteres individualmente, temos, agora, que juntar todas essas evidências em um único cladograma. Para isto, usaremos a segunda regra da "argumentação de Hennig", a regra de inclusão/exclusão: as informações de dois caracteres poderão ser combinadas numa única hipótese de relações filogenéticas (caracteres congruentes), se os grupos sugeridos pelos dois caracteres separadamente puderem ser totalmente incluídos um dentro outro, ou se eles se excluírem completamente. Se houver sobreposição parcial entre os grupos sugeridos pelos dois caracteres, então os caracteres são incongruentes e não dão suporte a uma mesma hipótese filogenética (e, neste caso, sabemos que pelo menos um desses caracteres é homoplástico):

Os caracteres 5-1 e 11-1 são incongruentes, oferecendo evidências contraditórias sobre as relações entre as espécies. Eles não dão suporte para uma mesma hipótese filogenética, já que a espécie E não pode ser, ao mesmo tempo, irmã de C e de F. Como há apenas uma filogenia verdadeira para um dado conjunto de espécies, quando nos deparamos com caracteres incongruentes, sabemos que pelo menos um deles é homoplástico, incluindo características que se tornaram semelhantes independentemente, em diferentes espécies (por convergência, paralelismo ou reversão).

Hipótese para as relações filogenéticas entre os Periniosaurus, com base nas evidências sugeridas pelos 12 caracteres listados acima. Segundo esta hipótese, os caracteres 3, 4 e 5 (em vermelho) sofreram homoplasias: os caracteres 3 e 4 sofreram uma reversão, cada, para seus estados plesiomórficos (3-0 e 4-0) e o caráter 5-1 surgiu duas vezes independentemente, por paralelismo ou convergência. Os caracteres 10-1 e 12-1 são autapomorfias, respectivamente das espécies F e E e, no contexto da análise acima, não precisariam ser considerados. 

 

Note que a existência do ancestral imediato das espécies do grupo de estudo não é suportada por nenhum caráter e, a rigor, ele não deveria estar representado no cladograma. Sua presença, aí, baseia-se no fato de que o conhecimento da monofilia do grupo de estudo é um pré-requisito da análise filogenética.

Abaixo, então, está a matriz de caracteres apresentada acima, acrescida de uma linha (a primeira) onde constam os estados dos caracteres no grupo externo ("X"):

Matriz de caracteres

 

Matriz de caracteres incluindo os estados dos caracteres presentes no grupo externo (X).

A regra de inclusão/exclusão é aplicada escolhendo-se, primeiro, os caracteres mais inclusivos, que contém o maior número de táxons e que são congruentes com o maior número de caracteres. As informações de cada caráter são incluídas sucessivamente no cladograma, até que todos os caracteres congruentes tenham sido lançados na árvore. Por fim, lançam-se no cladograma, como homoplasias, os caracteres que não forem congruentes com os primeiros:

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